A cartografia — especialmente quando reconceitualizada pelas lentes de pensadores como Deleuze e Guattari e desenvolvida em diversos contextos de pesquisa — transcende o status de mera metodologia de pesquisa para encarnar uma ética investigativa profunda. Essa perspectiva propõe que o ato de mapear, quando abordado cartograficamente, é intrinsecamente impregnado de considerações éticas que moldam a postura do pesquisador, seu engajamento com o campo de estudo e o próprio processo de produção do conhecimento.
Um dos aspectos fundamentais da cartografia como ética de pesquisa reside em seu objetivo central de **acompanhar um processo**, em vez de representar um objeto estático. Essa orientação desloca o foco ético da observação e categorização distanciadas para uma participação ativa e envolvida nas dinâmicas emergentes do contexto investigado. O pesquisador, nesse quadro, torna-se um *cartógrafo* que traça linhas de fuga, intensidades e conexões à medida que surgem, exigindo **coragem diante do que vem**, **prudência** na navegação dessas linhas e **sensibilidade** às múltiplas forças em jogo. Tais qualidades não são meramente ferramentas metodológicas, mas imperativos éticos que orientam a interação do pesquisador com o campo.
Além disso, a ética da pesquisa cartográfica está profundamente entrelaçada com o conceito de [[**pesquisa-intervenção**]]. Essa abordagem visa explicitamente intervir na realidade estudada, não como um observador neutro que busca extrair dados, mas como um participante ativo que valoriza o **protagonismo do objeto** e busca fomentar um [[**plano comum**]] que conecte singularidades diversas. A dimensão ética aqui reside no compromisso de engajar-se com participantes e fenômenos de modo a reconhecer sua agência e contribuir para transformações potenciais. O conhecimento científico produzido nesse contexto não fala *sobre* a realidade, mas *a partir* dela, implicando uma relação de **cuidado** e interesse pelo fenômeno investigado.
As fontes também destacam a cartografia como uma alternativa ética a metodologias de pesquisa percebidas como perpetuadoras de **estruturas coloniais e eurocêntricas de pensamento**. Abordagens tradicionais frequentemente enfatizam *frameworks* rígidos, categorias pré-definidas e o pesquisador como intérprete solitário, podendo negligenciar especificidades históricas e culturais e marginalizar perspectivas diversas. Em contraste, a cartografia, como postura ética, defende **processos colaborativos** entre entidades humanas e não humanas, reconhecendo que o conhecimento emerge de uma rede diversa de interações. Isso exige uma reavaliação crítica de métodos tradicionais e um compromisso com a abertura da pesquisa a perspectivas extra-humanas, transformando o pesquisador de observador passivo em participante ativo de um diálogo colaborativo.
Central para a ética cartográfica é a **valorização de saberes e perspectivas plurais**. O processo de mapear um território cartograficamente requer a inclusão de diferentes *saberes* e *percepções*, buscando ativamente incorporar variados *pontos de vista* na elaboração dos mapas. Essa **confluência de saberes diversos** é vista como essencial para obter uma compreensão mais completa e segura dos territórios investigados. Ética e epistemologicamente, esse compromisso com a pluralidade desafia a noção de uma verdade única e objetiva, abraçando, em vez disso, uma multiplicidade de perspectivas válidas.
O papel do pesquisador, dentro de uma ética cartográfica, não é o de um coletor neutro e objetivo de dados. Em vez disso, o pesquisador é entendido como **implicado na realidade** estudada. Suas subjetividades, afetos e experiências são reconhecidos como parte integrante do processo. Isso demanda um engajamento reflexivo com a própria posicionalidade e um questionamento contínuo das suposições e interpretações que surgem durante a pesquisa. A ênfase desloca-se da busca por uma representação puramente objetiva para o reconhecimento do papel ativo do pesquisador na **co-construção do conhecimento**.
Na prática, ao empregar ferramentas cartográficas como **oficinas**, a ética de pesquisa exige atenção cuidadosa a questões de **inclusão e diversidade**, **respeito a diferentes perspectivas**, **consentimento informado**, **confidencialidade** e uso dos resultados de modo a beneficiar a comunidade envolvida. Essas considerações reforçam o compromisso com uma produção de conhecimento participativa e colaborativa, distanciando-se de abordagens extrativistas ou centradas apenas no pesquisador.
Por fim, a cartografia como ética de pesquisa caracteriza-se pelo compromisso com a [[**experimentação do pensamento**]], em que o método não é aplicado, mas vivido e assumido como atitude. A **precisão**, nesse contexto, não equivale à exatidão, mas ao **compromisso, interesse, implicação na realidade e intervenção**. Essa postura exige que o pesquisador engaje-se com rigor — porém um rigor flexível, sensível às dinâmicas emergentes do campo e orientado a fomentar compreensão e transformação em colaboração com os envolvidos. O cerne dessa ética está na compreensão de que mapear não é um ato neutro de representação, mas uma prática engajada e eticamente carregada, que molda tanto o conhecimento produzido quanto as realidades que busca compreender.